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As barcas de rio não levam quilha, de fundo chão, forma rectangular e com a proa e popa rectas. As lanchas também são planas, mas têm a proa aguda. Uma tipologia mais singular é a do barco de dornas, trata-se dum duplo casco -ou catamarán, em castelhano-, formado por dois aboiadores feitos do tronco duma árvore oca -dorna-, unidos por unha plataforma central rígida a base de tábuas de madeira. Os carpinteiros de Pombeiro, entre o Minho e o Sil, estavam especializados na construção deste multicasco que chegou até à altura de Belesar (O Savinhão-Chantada).


A característica das embarcações de rio, condicionadas polo meio da ribeira, é que são primeiramente monocascos -excepto o barco de dornas-, propulsadas a remo ou vara (normalmente um só antes das presas, que ia livre), e construídas em madeira, como material que oferece o contorno natural, pelo sistema de tábuas a tope, calafeteadas com alcatrão. O fundo sem quilha, que dificultaria a maneabilidade nas beiras do leito, facilita a carga e descarga pelo pouco calado que apresentam. São ante todo embarcações funcionais, onde primou a facilidade de manejo e de construção.

Barcas em Pincelo, de Chantada, ao pé da barragem dos Peares


Desaparecido o barco de dornas a meados do século XX, ficam como embarcações tradicionais as conhecidas como barcas do país, genérico que em Galiza inclui os batuxos da Terra Chá e as chatinhas do Sil. Mais toscas as do interior do Minho que as próximas à embocadura, melhor construídas no Ulha, são semelhantes as da lagoa de Antela, em Ginzo de Lima, às dos rios Vez e Lima, já em Portugal, com o fundo chão e a proa simples.


Tipologias de Porto Marim e Chantada
No tramo do Minho da Ribeira Sacra diferenciam-se dois modelos, que pela sua localização denominaremos como barca de Porto Marim e barca de Chantada. A primeira tem a dianteira ou peito curvo, com duas cavernas ou vincos transversais (a excepção dum madeiro longitudinal, o reforzo pró peito). Para conseguir uma maior capacidade de carga colocavam umas tábuas sobre as balanceiras ou laterais. Esta mesma tipologia de embarcação estende-se até ao nascimento do rio Minho, ficando alguns exemplares na Terra Chá. Na estrutura da barca de Chantada o costelar está formado por três ou quatro domos longitudinais, ligeiramente curvados nos extremos, com forma quadrangular em que não se diferencia a proa e a popa. Pode levar uma plataforma superior ou pousa para aumentar a superfície de carga.


Com a mesma tipologia de Chantada, mas de maiores dimensões, era a derradeira barca de pago, na Varziela (em Ribeiras de Minho, na autarquia de Pantom), em activo até aos anos oitenta. Tem umas medidas que se achegam aos quatro metros de cumprimento por dois e meio de largo, leva os remos cruzados, e tinha uma capacidade de carga de três mil quilogramas. Dava cabida até cinquenta pessoas, sendo os dias de feira e festas, domingos e enterros -contratada pela familia de luto- jornadas de muito trânsito no rio. O preço da passagem foi aumentando com o decorrer dos anos, dos quinze cêntimos de começos do segundo terço do século XX até uma peseta nos anos cinquenta. Ocasionalmente as retribuições do barqueiro chegaram até às cem pesetas diárias, em anos em que um jornaleiro não passava das cinco pesetas.


Portos no século XX
As barcas de passagem, que contavam com barqueiros de ofício, situam-se nos mesmos lugares que duas centúrias antes. A mudança volta-se em ruptura, com o cambio contínuo da história, mais acelerado nas últimas décadas, com modificações sócio-económicas e melhorias nas vias de comunicação como pontes e caminhos que permitem o transporte por estrada, soma-se o levantamento das presas de Os Peares em 1955, e de Belesar em 1963. Transformações no meio físico que provoca a desaparição dos assentamentos de povoação situados ao pé do rio, e o alagamento das melhores terras de cultivo. Foi a ruptura dum modo de vida, a desorganização da comunidade, uma perda social que não se considerou à hora de expropriar.

Desde a construção das barragens não restam mostras de barcas de carga nem de barcos de dornas. No tramo do Minho da Ribeira Sacra permanecem pouco mais duma dúzia das tradicionais barcas do país, de uso particular, muitas em estado ruinoso. A adaptação aos novos tempos, com a execução dum rebaixe para acoplar um motor, fez-se nalguns lugares com facilidade, ao igual que são usadas para carga, tiradas por navios de propulsão mecânica. Outras ficam fora de uso, muitas vezes substituídas por embarcações com formas alheias às criadas de acordo com o meio da ribeira.





Barca com tipologia de Chantada em Belesar
A derradeira barca de passagem, na Varziela





© Fonte: Xosé Manuel Vázquez Rodríguez, "Os barqueiros na Ribeira Sacra. A desaparición dun modo de vida", em Lucensia. Miscelánea de Cultura e Investigación, nº 15, vol. VII, Lugo, 1997, pp. 313 a 324; e "Embarcacións fluviais no país dos encoros", em Lucensia. Miscelánea de Cultura e Investigación, nº 22, vol. XI, Lugo, 2001, pp. 161 a 176.


As barcas de passagem tiveram utilidade até à metade do século XX nas ribeiras do Minho. Pretendemos comparar o ofício de barqueiro numa época de esplendor, como foi a centúria do XVIII -desenvolve-se a população, adiantos na agricultura, floresce uma pequena indústria rural de tecidos, e pensamento ilustrado- com a etapa final das embarcações fluviais a meados do século XX. A mudança sócio-económica que se acentua nas últimas décadas, junto com a ruptura motivada pelo anegamento de povos e terras de labor pelas presas hidroeléctricas, provocam a total desaparição dum ofício e duma cultura.



Para o Antigo Regime valemo-nos dum documento essencial, como é o Catastro do Marqués de La Ensenada, realizado em 1753. Nas preguntas número 29 e 37 do Interrogatório dão resposta, entre outros dados, ao número de barcas fixadas nos rios, à sua pertença, e à utilidade que produzem anualmente. Situam-nos as principais embarcações na Ribeira Sacra, utilizadas para a passagem de pessoas e também de animais, para além de transportar cargas na realização dos labores próprios da ribeira. Além disso, temos novas da rendibilidade anual de cada barca, o preço da passagem, podendo compará-lo com o das pontes que prestavam o mesmo serviço naquela época, e também de sistemas de exploração e de propriedade -barqueiros dependentes, rendas forais- desaparecidos a começos do actual século.


As barcas na Idade Moderna
No rio Minho, em Pantom, achamos só uma barca situada na freguesia de Ribeiras de Minho. Segundo o Catastro «...perteneze a Manuel de Penas, y sirve pa. el traspte. de gente y la utilidad que le deja al año ascenderá a Cien Reales Veon. Hai así mismo una pesquera pertenece a Domingo Fernandez Leon vezno. de Santa Maria de Nogueira, y la utilidad que le dejara al año la rregulan en seiscientos Res. vellon». Esta embarcação serve para transportar os vizinhos da paróquia, para trabalhar as fazendas situadas a ambas margens do leito fluvial. Para poder valorar a rendibilidade da prestação do serviço de barqueiro, devemos considerar que os cem reás equivalem a cinquenta jornais de trabalho na mesma época e lugar.

No Savinhão topamos uma embarcação em São Vitório de Ribas de Minho, «ai una Barca que sirve para pasar jente y cavallerias en el rrio Miño en el sitio Porto Sardiñeira donde se paga por cada persona quatro mrs., y por cada caballeria ocho, la que es propia de Antonio Fernandez y consortes a quienes se les regula de utilid. por ella en cada un año trescientos rrs. de vellon, y a los barqueros Domingo Monte Agudo y Phelipe Rodriguez a cada uno cien rs. de vellon». Pela contra, em Belesar não havia serviço de barca, por estar em boas condições a ponte a meados do século XVIII, percebendo a Condessa de Lemos sessenta reás por ração de portagem dos passageiros que transitam pela mencionada passagem elevada.


Outros passos
Igualmente em São Pedro de Porto Marim há uma ponte, esta de reguengo. Também se declaram três barcos pequenos para pescar. Em São Nicolás de Porto Marim há outra ponte, «con el arco maior parte de el arruinado, por el que percive de portazgo por cada cavalleria o res que transita un maravedi S. M. el que le regulan en cuatrocientos y ochenta reales de vellon; otro maravedi que percive el comendador de la encomienda esta dcha. villa y feligresia, que le regulan en trescientos cincuenta y dos reales y diecisiete maravedis vellon». Ademais sinalam-se seis barcos pequenos, «a los cuales no les consideran utilidad por serviren para entrar en los canales situados en dicho rio Miño».

A barca de Pincelo, em Castelo (Tabuada), calculam-lhe uma utilidade de trezentos sessenta e cinco reás ao ano. Esta pertence a um nobre, Joseph António Pardo Rivadeneneira y Montenegro, dono da casa de Perrelos. Em Chantada aparece uma barca em São Vicente de Vilaúxe -hoje A Sarinha-, propriedade de Amaro López. Serve-lhe para transportar estrume para as terras, além de pessoas, considerando-lhe uma utilidade de trezentos reás. Em Nogueira de Minho, no lugar de Sernande, estava emprazada outra barca à que lhe calculam de utilidade mil cem reás ao ano, explorada em virtude de foro por Domingo Fernández León.

Em Chouzám, no concelho de Carvalhedo, há uma embarcação que pertence a Alfonso López, com a que transporta o abono para beneficiar as suas vinhas além das pessoas que por ali concorrem, a qual lhe consideram uma utilidade de trezentos reás, barqueiro quem tinha um subforo com um vizinho de Santiago pelo qual pagava trinta reás, mais dez ao mosteiro de São Paio da mesma cidade em virtude dum foro sobre a mesma embarcação.

Rio Cabe em Monforte de Lemos


Barcas do Minho