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No espaço final do rio Minho, que corresponde à antiga província de Tui pela margem setentrional e a Portugal pela meridional com remate em Caminha, temos o curso raiano com activa navegação longitudinal e transversal na história. Com vara, remo, velame e, desde o século XIX, também a motor.
O Minho desde Tui, com Valença ao fundo. Desenho de Martín Rodríguez
Fontes clássicas dão conta da navegabilidade do Minho cara a jusante, assim Estrabão anota 800 estádios -que chegariam desde a foz até as imediações de Tui. As mesmas informações escritas falam da existência de balsas executadas em troncos de árvores -chegaram até nós os barcos de dornas, em Ourense e a Ribeira Sacra-, e embarcações de tipo piroga em pele ou couro. Seriam utilizadas em pequenos intercâmbios comerciais entre as comunidades castrejas, e nas pesqueiras erguidas no leito do rio.
Com a Romanização acrescentou-se o desenvolvimento de centros de actividade nas beiras do Minho, sendo os principais Caminha e Tui, com vias que levam a Lugo, Ourense e Braga, levantando pontes nos itinerários. Comercio que segue com os suevos, quando Tui foi corte do reino. Mas com a continuidade medieval chegarão as frequentes invasões dos normandos, que levam à destruição da cidade.
Vinho, madeira, sal, panos e lenços, ferro e aço, pedra, além da extracção de areia e a pesca, foram as mercadorias transportadas pelo Minho. Chegando a se estabelecer na metade do século XIX uma companhia de vapores entre Tui e Valença. Grãos e gado eram -quantas vezes furtivamente- embarcados para Portugal. Também os portos controlam o passo de pessoas, diferenciando se são peregrinos e estrangeiros, com vigilância superior em tempo de guerra, aparente para o contrabando, permeabilidade que permitiu escapar da fome -emigração- e das ditaduras peninsulares -franquismo e salazarismo- do século XX.
Devemos lembrar a singularidade das barcaças do Minho, modelo da tipologia do carocho mas de notáveis dimensões, com 21 metros de cumprimento e 5 de largo despraza até 45 toneladas, ajudado com vela, leme e vara. Moviam vários camiões de sal ou de madeira, chegando a Tui e até Salvaterra, segundo dados recolhidos por Staffan Mörling para umas embarcações que desapareceram pelos anos sessenta do século XX.
E também não esquecer a pesca até a foz. Ernesto Iglesias anota o número de 3.000 pescadores nas águas do Minho no seu espaço final para os primeiros anos do século XX, o dobre na parte portuguesa que na galega. As pesqueiras, construções fixas no rio, mantinham a ocupação com uma única limitação já recolhida no Direito Romano e continuada na história, que não impediram a navegação fluvial e não fossem obstáculo para o interesse público. A importância da pesca para a manter as embarcações do Minho foi decisiva na área final, actividade que complementa rendimentos às populações ribeirinhas -ocupação estudada por Antero Leite-, pelo que é um destacado factor de fixação humana.
Passos e portos no Minho
Com base em topónimos e documentação histórica, Ernesto Iglesias anotou perto de uma vintena de barcas de passagem. Assim começa com A Barca, em Rabinho (Cortegada), e segue com Vilanova da Barca, em Balongo. De novo aparece Barca em Crecente, barca de São João de Mouretam, e barca de Loimil, em Arbo. Em As Neves sinala a Barca e Poço da Barca Nova, em Medáns; Porto Arnado, com barca de passagem arrendada pelo Cabido de Tui, em Brunheiras e Paredes; e Porto Maior, próxima à estação férrea ao igual que muitas das anteriores. E em Salvaterra do Minho perdurou como transbordador.
Em Porto estava a barca de Arredonda, comunicava com Lapela. A metade galega da embarcação era da Encomenda de Beade, arrendada por Manuel González, e a metade portuguesa era da Câmara de Portugal, que levava o mesmo arrendatário por 25 ducados. O preço da passagem era de 25 mrs. por pessoa, 24 quartos a cada carro de pescado, e 4 a cada cavalaria. Também Páramos contava com barca.
O principal porto da Idade Media foi Tui, com actividade desde a antiguidade -declinando em 1452 em que se autoriza só aos portos de A Corunha e Baiona para comerciar com o estrangeiro-. As barcas de passagem eram do Concelho da Vila de Valença e do Cabido da Catedral de Tui. Com barcos para pessoas -de menores dimensões- e barca de mercadorias -de 11 metros de cumprimento por 3 de largo-.
Em Porto Ladrom (Sobrada) estava a barca de Segadáns ou de Muimenta, igualmente propriedade do Cabido de Tui. O contrato de 1813 recolhe: "Que haviendo el Julian da Ponte dando principio a su exercicio, tambien ha de ser de la suia, traerlo reparado y perfectado, corriente y serviente y acabado el año del contrato lo ha de entregar de la misma forma, bien sea para renovarle el arrendamiento o para disponer de el a favor de otra persona".
O Cabido de Tui era também proprietário da barca de Amorim, afundida em 1916 a derradeira, que podia carregar até seis parelhas de bois. Em Goiam topamos a capela de Nossa Senhora da Barca, habitual lugar de culto junto ao passo. E, finalmente, temos o porto de mercadorias e passagem de Camposancos -com o nome de barca do Corpo Santo, destinando a esta devoção popular o que reúnem no passo do Minho-, do que chegou ao nosso tempo as embarcações de Passagem -fronte a Seixas- que comunicam com Caminha.
© Fonte: Ernesto Iglesias Almeida Notas históricas del Bajo Miño, Tui, 1988; Antero Leite, As pesqueiras do Rio Minho. Economia, Sociedade e Património, Caminha, 1999; Staffan Mörling, Las embarcaciones tradicionales en Galicia, Santiago, 1989; Olga Gallego Domínguez, As barcas e os barcos de pasaxe da provincia de Ourense no Antigo Réxime, Ourense, 1999; e documentação própria de Barcas do Minho.
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O Regulamento da fronteira de Portugal, datado na Corunha em 1807, recolhe trinta embarcações -que pretendem reduzir a oito- dos dois estados: barca de Alberte, barca de Mirós, dorna da Frieira, barca de Filgueira, barca de Rebordecham, barca de Sendelhe, dorna da Frieira, dorna dos Casás ou Barbote, dorna de Portapassos, dorna de Portalivo, dorna de Bouza ou Albeos, dorna de Louridal ou Zoquelinhos, dorna de Remoáns ou Mouretam, dorna de Zuizal, barca da Torre ou Arbo, barca de Bouzas ou Varcela, barca de Vide, barca de Guláns, barca de Brunheira ou Arnao, barca de Pedrafurada, barca de Salvaterra, barca da Redonda, barca de Porto ou Lapela, barca da Veiga do Ouro, barca de Tui, barca de Segadáns, barca de Amorim, barca de Goiam e barca de Camposancos.
São Telmo e o Minho
Frei Pedro Gonçalves, predicador na Galiza e em Portugal, tem testemunhados cento e oitenta feitos milagrosos, entre eles a construção das pontes de Castrelo de Minho e Ramalhosa, substituindo antigas barcas do Minho e do Minhor.
Faleceu em Tui em 1246, já venerado desde o passamento e considerado Corpo Santo -pela tardança em serem canonizado, em 1741-, e propagado o culto pelos dominicanos da sua ordem desde séculos atrás. À sua designação original une-se o cognome de Telmo, vinculado ao fenómeno atmosférico que precede os temporais, que chega a ocupar o lugar do próprio. Com relíquias na Catedral de Tui, e capela com o seu nome na rua do Corpo Santo, estende a devoção como patrono dos navegantes -nomeando a confrarias e a embarcações- até América.
E em águas arriba no Minho temos aos companheiros de predicação de Pedro Gonçalves Telmo. Assim em São Domingos de Ribadávia descansa frei Pedro das Marinhas, e em Chantada veneram a frei Miguel González, também conhecido como o Corpo Santo, em Santa Cruz de Viana.
Barca de passagem do Minho, entre Lapela e Porto
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