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Descoberta a grande difusão de embarcações pelo Noroeste Ibérico, desde Barcas do Minho documentamos os
mais de trinta rios com navegação na Galiza, com barcas e outras artes para superar as águas. Como as balsas no Minho ou no Sor, as jangadas no Támega,
canoas monóxilas no Sil -conhecidas como dornos, das que deriva o barco de dornas,
de duplo casco e com grande expansão-, a ajuda com cabos ou sirga no Minho e no
Ulha, a ponte de barcas no Minho entre Goiam e Vila Nova de Cerveira... E lembramos
os usos, com barcas de pesca e de sacar areia, de passo e de passeio para o tempo de lazer.
Na próprias embarcações, na actualidade nos rios galegos distinguimos até dez formas básicas:
com dianteira que se eleva em ângulo obtuso, os batujos do tramo alto do Minho (que achamos muitas vezes escrito com a variante batuxos);
de maior tamanho, e também rectangulares, aparecem as barcas do Sil;
no Ulha vemos outra tipologia singular, muitas vezes sem diferenciar a dianteira da traseira;
como a barca de passo que conservou o tramo médio do Minho;
por onde também navegou o barco de dornas;
e a gamela na foz; e, finalmente, barcas com
dianteira em ponta ou lanchas, com modelos que se aproximam aos marítimos (as chalanas);
destacando a especificidade do carocho do Minho;
formas com dianteira redondeada no Landro;
e mui aguçada na Antela.
As tipologias anotadas superam as descritas em estudos anteriores. Xaquín Lorenzo, nas formas e usos, diferencia entre as embarcações
destinadas ao transporte, a barca e a lancha, e as dedicadas à pesca, o barco e a lancha.
As barcas são rectangulares, com proa aguda as lanchas, e mais singular é o barco de dornas,
com dois frotadores sobre os que se assenta uma plataforma de madeira.
No tramo final das águas do Minho investigou Staffan Mörling. Fala
do elaborado bote anguleiro ou caiumbo, com dianteira em ponta, quilha em T, e construção de
tábuas sobrepostas em fiadas que o emparentam com embarcações nórdicas (como sinalara
Octávio Lixa Filgueiras), aparecendo desde Crescente.
Também fala do barco ou barcaça
de carga, igual modelo que o caiumbo só que de maiores dimensões, com vela, temão e vara. E,
ademais, estão as batelas, tão singelas que semelham chalanas simplificadas, triangulares e
sem cavernas, para o autor -que não se interessou pela navegação fluvial, só chegou até onde
se topavam embarcações com quilha relacionadas com as do mar- não parecem antigas no Minho.
Para Ivone Baptista de Magalhães, nas ribeiras minhotas
portuguesas, além do antigo barco do Minho, há dois modelos com influências galegas -o
carocho (antes referido como anguleiro) e a gamela-, destinados à pesca e ao transporte.
Na derradeira década do século XX anotamos no Minho a pequena barca da Terra Chá,
com dianteira obliqua, propulsada com vara; menos elaboradas são as
embarcações que aparecem de Lugo a Porto Marim, mantendo grandes semelhanças com a anterior;
segue a forte barca de Chantada, com formas rectangulares e sem diferenciar a proa e a popa; e,
por último, a evoluída lancha ourensana, que remata em ponta, desde Os Peares até Crescente.
No rio Sil as embarcações têm a dianteira também em ângulo obtuso, assim mesmo de notável
tamanho.
No Cabe ficam pequenas embarcações em ponta. Finalmente, no rio Ulha, topamos uma barca
rectangular, forte, sem diferenciar dianteira e traseira.
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Outros modelos desapareceram das correntes fluviais galegas na última centúria, mais são
conservadas na memória dos vizinhos das ribeiras. Pela sua singularidade destaca o barco de
dornas, estudado por Fernando Alonso Romero, no final do Sil,
e desde Belesar (Chantada-O Savinhão) até Tui, também pôde estar no Lima e no Ulha. Sabemos
da barca quadrangular de Ourense, que não diferencia a dianteira da traseira -emparentada com
as tipologias que denominamos de Chantada e do Ulha-, como a que ia de Puga a Barbantes (de 11
metros por cada lado, dando cabida a dois carros à vez, e precisava a força de três homens em
cada remo -seis em total- em dias de enchentes).
Também se lembram barcas triangulares no Sil, muito singelas e de rápida construção. Se as
anteriores parecem pouco elaboradas, algo mais trabalhado era o bote do Ulha, com dianteira
em ponta, pequeno, de construção barata, e pouco seguro para o rio. Além disso temos a barca
da lagoa de Antela, a mais alongada, com dianteira em pico -semelhante à do Cabe-, que ia
manejada com vara, e a redondeada embarcação do rio Landro.
Adequação ao meio e à sociedade
As formas vêm dadas polos materiais locais com os que elaborar as embarcações, desenhando os
carpinteiros de acordo com as circunstâncias do lugar onde serão emprazadas. Assim passamos das
barcas sem reforços, no primeiro tramo do Minho e na lagoa de Antela, a um pequeno suporte no
Cabe, um único e de maior entidade em Lugo, para ser já vários em Porto Marim. Nas embarcações
do tramo médio do Minho, do Sil e do Ulha, de maior tamanho, os reforços aumentam também em
número e consistência. A desaparecida barca de Antela destaca pela sua estreiteza, para
discorrer com facilidade entre os juncos da lagoa. Em ponta ou em ângulo sobem com mais
facilidade pelo rio, acedendo aos canais e cortando a corrente, ademais os
costados elevados aumentam a protecção.
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O fundo das embarcações fluviais é plano, mas também se acomodam ao leito fluvial facilitando
os achegamentos à terra com uma pequena volta inferior. O meio condiciona a construção,
elaboração que também não esquece a sociedade a que vão servir (estudada por
Olga Gallego Domínguez).
Usadas para a navegação
transversal, para cruzar o rio, como transporte, interrelacionam com a estrutura socioeconómica.
Não podemos refutar o papel das barcas no modo de produção e de organização, na sociedade,
o trabalho e o intercâmbio (festas, enterros, feiras, labores da ribeira...), seguindo umas
normas -ditadas pela educação, a história e o costume, mantendo umas tipologias que são
justificadas pelo destino- na construção. Pertencem e servem a um grupo organizado, dando
satisfação às necessidades do mesmo. Ajeitam-se à pesca -com caixões para manter os peixes-,
ou ao transporte das pessoas -com bancos arredor, com estruturas para manter os pés dos
usuários secos, com um lugar destinado a se apoiar ao aceder ou sair da embarcação no Ulha,
etc.-, e de mercadorias -com plataformas para ampliar a superfície de carga-. E foram, além
disso, empregadas em competições lúdicas ao longo do século XX.
Não há formas puras, únicas ou fixas, senão um constante dinamismo, com variações e
aproximações em permanente diálogo com a experiência que marca a continuidade dos modelos
do passado. A variedade nas tipologias recolhidas significa riqueza cultural. Todas as formas
são válidas, certo que umas parecem mais transformadas, ainda que todas estão adaptadas à sua
zona ou meio, são fruto de anos de experiência e evolução própria.
- Lorenzo Fernández, Xaquín, "Etnografía. Cultura material", em Historia de Galiza (dir. Otero Pedrayo, Ramón), Buenos Aires, 1962, vol. II, pág. 489; e "Vellas artes de pesca no río Miño", em Revista de Etnografia, Porto, 1966, nº 14, vol. VII, tomo 2, págs. 289 a 295.
- Mórling, Staffan, Las embarcaciones tradicionales en Galicia, Santiago, 1989, págs. 303 a 315.
- Lixa Filgueiras, Octávio, Barcas da costa norte, sua contribução no estudo de áreas culturais, Porto, 1965; e "Das influências nórdicas nas embarcações tradicionais do NW peninsular", em I Coloquio de Antropoloxía de Galicia, A Corunha, 1984, págs. 182 a 191.
- Baptista de Magalhães, Ivone, Embarcações Tradicionais: Em Busca de um Património Esquecido. Traditional boats: In search of a Forgotten Heritage, Viana do Castelo, 1998.
- Alonso Romero, Fernando,"El barco de dornas: notas sobre su origen y paralelos", em Boletín Auriense, Ourense, 1990-91, tomos XX-XXI, págs. 367 a 381.
- Gallego Domínguez, Olga, As barcas e os barcos de pasaxe da provincia de Ourense no Antigo Réxime, Ourense, 1999.
- Vázquez Rodríguez, Xosé Manuel, O legado dos ribeiraos, Lugo, 2011.
- Vázquez Rodríguez, Xosé Manuel, O rio Minho galego-português, Lugo, 2015.
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